Paulo Rosa

Essa Pelotas, que tal?

Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas, Hospital Espírita
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Falo a pelotenses. Digo-lhes do gosto de aqui viver, depois de sucessivas e generosas acolhidas, tendo andado por esse mundo e, repetidamente, querer retornar. Acredito, uma forma de amor primordial. Antes de Pelotas, somente Piratini, ali as raízes, os começos, o passo primeiro no pasto verde, em cima da serra. Segundo passo já aqui, no Colégio Pelotense e, então, a experiência inefável de tornar-se, definitivamente, Gato Pelado. Vivência constitutiva, ato de subjetivação. Pelotas oferecia e oferece isso.

A jovem Pelotas, hoje aos 211 anos, é peculiar e única. Eu que moro no Centro tenho o gosto de, cedo pela manhã, ouvir quero-quero cantando, reeditando manhãs de infância e remexendo nostalgias. Aqui quero estar. Podendo reviver Piratini profundo na alma, experimentando na carne sons matinais evocadores, em Pelotas. Na mesma toada, a cinco minutos do Centro, em direção ao Laranjal, troteando pela avenida Ferreira Viana, verás à tua direita fazendolas, digamos. Criação de vacas e ovelhas e cavalos, bretes e troncos próprios à lida campeira. Mais adiante, agora à esquerda, sempre rumo ao Mar de Dentro, divisarás uma trinca de cavalos tubianos, aqueles que maturrangos chamam de malhados, os quais levam, inevitavelmente, ao maledicente ditado de fronteira: "castelhano e cavalo tubiano só dá bom por engano". Apenas para inticar com meus irmãos uruguaios. Xenofobia zero, acerbos críticos.

Pelotas te surpreende. Onde encontrarás monumento explícito contra a malfadada, a assassina ditadura militar-civil dos intermináveis anos 1964-1985, em plena praça pública, em local de alto valor simbólico? Aqui. Somente aqui. Se passeares pela muito simpática pracinha da Faculdade de Direito da UFPel, verás o inusitado monumento em pedra e bronze, com o contundente e sarcástico dístico: "aqui mijamos + na ditadura". Repúdio veraz ao inominável período, que Chico Buarque, eufemicamente, chamou de "anos de chumbo", que todos sofremos na carne, exigindo-nos "sangue, suor e lágrimas" que, inacreditável, há, ainda, quem sugira retornos. Pois, saibam todos, Pelotas é contra.

Onde acharás, como aqui, num raio de 200 metros, dois teatros centenários, vivos e cultivados? Em que pese que não se pode nunca esquecer o trabalho escravo entremeado à construção dessas obras de arte, o fato do cultivo da cultura _ e o potencial valor de combater desigualdades através da arte _ é marco da cidade. Todos aguardamos para já o retorno do Sete de Abril, com o compromisso inadiável de abri-lo, em especial, à arte para todos, sem diferenças.

Se Drummond, o poeta, aqui tivesse estado, não se lhe escaparia "uma casa no meio da rua" e, certamente, algum verso dedicaria à simpática morada que, por inusitado propósito, valoriza mais a pedestres que a motorizados. À beira do canal da Argolo ela obstaculiza carros, se acaso a desconheces.

A pelotenses, gratidão e amor pela terra onde nos acolhem. Salve, Pelotas.

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